Os contos que eu não te contei - Cobrança

A conta chegou. Maria ficou apavorada ao abri-la. Foram horas e horas perdidas, rolando o feed. Horas que ela poderia ter dedicado aos seus afazeres, que naquele mês, ela realizou com pouca ou quase nenhuma atenção. Acordava de manhã e logo corria para ver como estava a vida de fulano. O que aconteceu com aquela menina popular da época de colégio? E aquela que os pais investiram na educação por terem mais recursos financeiros? Aquela garota que tinha respostas para tudo, onde estava agora? 

A sua lista era extensa. Tinha também aqueles que criticavam o seu cabelo, seus dentes, e a sua aparência de forma geral. Até hoje, Maria busca nos cosméticos inovadores modos de corrigir esses comentários do passado. Seria bom se as comparações fossem um problema da pós ou hipermodernidade, que surgiu graças a internet e a autoexposição, mas a verdade é que criamos o hábito se nos compararmos aos outros muito antes disso. Muito antes das redes sociais, já fazíamos isso, e se não o fizemos, tinha quem o fizesse. Geralmente, alguém da família. 

O tempo passa, e a conta chega. Junto os outros boletos do mês. Financeiramente, o dinheiro de Maria dava para pagar a água, o aluguel, o uber, as compras, o supermercado, a farmácia e os gastos extras. Mas, emocionalmente, ela quase não tinha energia para pagar a conta do uso das redes sociais. Com que tempo poderia malhar, beber café (mas não muito), começar a se alimentar saudável, parar de beber, ir a restaurantes que servem pratos que valem a pena ser postado, ter um cachorro (para agradar os que gostam) e um gato (para agradar o restante), fazer minivideos da sua rotina no escritório e por aí vai. Maria estava em dívida. 

A verdade é que ela não se dedicava a nenhum esporte, bebia mais café do que devia, tomava as suas tacinhas de vinho, não frequentava restaurantes caros e, no fundo, pensava que era luxúria. Preferia os gatos para não ter que passear às 5 da manhã, e o pior: trabalhava em casa, e não tinha como filmar a sua rotina de girl boss. Esse último ‘item’ era o mais caro da conta.

No entanto, os seus amigos de colégio, sim. Eles estavam ou menos parecia que sim, cumprindo todos os itens da listinha, e com certeza, agora, tinham uma conta menor que a dela. O seu martírio era real e tudo aquilo parecia não ter saída. A fatura estava acima do que ela poderia arcar. Como ela ia pagar por isso, por tantas expectativas?

Lembrou que a sua família também a seguia nas redes sociais. E aí, não deu outra: Quase como num surto, tomou uma decisão. Deletou a sua presença ‘online’. A partir daquele momento, ninguém mais saberia dela. Mas, o melhor era pensar que ela também não saberia sobre eles. Pelo menos por um tempo.

E assim foi. Fechou o seu laptop, desligou o modem da tomada, acendeu as suas velas, pois não pagou a conta de energia, e, sozinha e no escuro, conseguiu finalmente ver a si mesma. E, já que a cobrança não foi paga, usou o dinheiro para comprar outra garrafa de vinho. 




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